"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 18, 2013

O FUTURO A DEUS PERTENCE : Ameaça à receita futura

Para tentar melhorar os resultados fiscais sem cortar o que precisa ser cortado do lado das grandes despesas de custeio, que continuam a crescer, o governo vem antecipando receitas, até mesmo por meio da concessão de generosos descontos de multas e juros sobre tributos vencidos, desde que parte do valor devido seja recolhida imediatamente.

Quando decide cortar gastos, o faz de maneira que ameaça a eficácia da atuação
de órgãos vitais da administração publica, como a Receita Federal. É uma política que, no curtíssimo prazo, pode até ajudar a melhorar o superávit primário, necessário para cobrir os custos da dívida pública, mas compromete a arrecadação futura.

Há pouco, contrariando seguidos pareceres técnicos da Receita, o governo aceitou a ampliação do prazo para que contribuintes em atraso pudessem aderir ao chamado Refis da Crise - um programa de renegociação de débitos tributários criado em 2009 – e a extensão dos benefícios para bancos, seguradoras e multinacionais. Com isso, esperava uma arrecadação adicional de R$ 7 bilhões a R$ 12 bilhões ainda este ano, dinheiro que o ajudaria a alcançar a meta de superávit primário.

A baixa adesão ao programa, porém, levou o governo a melhorar as condições para bancos e multinacionais brasileiras aderirem ao programa. Para os bancos, o desconto das multas,

Ao mesmo tempo que facilita as condições para a quitação de débitos vencidos ou questionados na Justiça, o governo vem impondo à Receita restrições orçamentárias que a obrigam a suspender operações de fiscalização, o que acabará prejudicando a arrecadação. Como mostrou reportagem do Estado (10/11), operações de repressão ao contrabando e à pirataria foram canceladas e programas de modernização da arrecadação estão sendo contidos ou suspensos por falta de dinheiro.

Programas na área de informática, como a transferência de dados da Previdência para a Receita - que desde 2004 responde também pela cobrança das contribuições previdenciárias estão atrasados. Isso pode resultar na prescrição de dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que, em 2014, podem chegar a R$ 12 bilhões, se nada mudar.

Operações anunciadas como essenciais para a modernização do sistema portuário, como o Porto 24 Horas - criado no início do ano para permitir que as equipes de fiscalização de diferentes órgãos federais atuem ininterruptamente para liberar cargas, embarcações e veículos -, estão ameaçadas.

O corte de verbas põe em risco até o processo de manutenção e aperfeiçoamento do programa de Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física, que nos últimos anos vem facilitando a vida dos contribuintes. São programas que necessitam de constante atualização, não apenas para beneficiar os contribuintes, mas também para permitir que a Receita faça com rapidez os cruzamentos de dados que permitem detectar irregularidades.

Programas como o de unificação de dados de contribuições para o INSS, para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros, que permitiriam a substituição da atual carteira de trabalho por um cartão magnético, e de melhoria dos sistemas de fiscalização e controle aduaneiro igualmente podem atrasar.

Se, no curto prazo, consegue alguma redução de gastos com medidas desse tipo, o Tesouro será o grande prejudicado caso, por deficiência tecnológica ou por obsolescência dos programas de cobrança e fiscalização da Receita, a arrecadação caia ou não cresça na velocidade compatível com o crescimento da economia.

É uma política de cortes nociva para o próprio setor público.
Essa política já afeta outras áreas sensíveis da administração federal, como o grupo móvel de combate ao trabalho escravo, a atuação das agências reguladoras - como a Comissão de Valores Mobiliários, que fiscaliza o mercado acionário - e as ações de combate ao desmatamento. Ainda assim, o governo Dilma apresenta resultados fiscais cada vez piores.


O Estado de São Paulo

NA REPÚBLICA TORPE DO PAÍS RICO É PAÍS SEM POBREZA "DELES" : Senador usa até R$ 20 mil ao mês de combustível. Deputados gastam quase R$ 8 mi em postos de gasolina


Com apenas uma nota fiscal emitida ao mês, deputados federais conseguem usar toda a cota de combustíveis a que têm direito. No Senado, os valores chegam a ultrapassar os R$ 20 mil. Entre os documentos apresentados, estão notas de postos de combustível de parentes dos parlamentares e estabelecimentos que foram doadores em suas campanhas.

Levantamento feito pelo Estado mostra que, no primeiro semestre, dez deputados gastaram até o último centavo a que têm direito. Eles apresentaram apenas uma nota por mês com o valor total da cota, sempre em seus Estados de origem, nos mesmos estabelecimentos ou pertencentes ao mesmo dono.

De janeiro a junho, a Câmara dos Deputados gastou R$ 7,8 milhões para reembolsar os gastos de parlamentares com combustíveis e lubrificantes. Cada um tem direito a consumir R$ 4,5 mil mensais para abastecer veículos usados no exercício do cargo.

Ângelo Agnolin (PDT-TO), por exemplo, traz na descrição da nota apresentada em março o consumo de 1.521 litros de gasolina, o que seria suficiente para fazer um carro médio rodar pelo menos 15 mil quilômetros. 

Ainda na mesma nota, o deputado paga três preços diferentes de gasolina comum (R$ 2,79, R$ 2,95 c RJ 3,12).

BOMBA CHEIA
De Brasília a Pequim.

Em linha reta: a distância, de 16.952 quilômetros, poderia ser percorrida com o volume de combustível consumido em um único mês pelos deputados 10 parlamentares gastaram o limite máximo - de R$ 27 mil cada - no consumo de combustíveis ao longo do primeiro semestre do ano:

Ângelo Agnolin (PDT-TO) 
Aníbal Gomes (PMDB-CE) 
Ariosto Holanda (PROS-CE) 
Costa Ferreira (PSC-MA) 
Davi Alcolumbre (DEM-AP) 
Jovair Arantes (PTB-GO) 
Manoel Junior (PMDB-PB) 
Manoel Salviano (PSD-CE) 
Maurício Quintella Lessa (PR-AL) 
Vinícius Gurgel (PR-AP)

No Senado, os limites máximos indenizatórios podem ficar entre R$ 21 mil e R$ 44 mil mensais, a depender do Estado de origem do parlamentar

Fidelização. 
O deputado Davi Alcolumbre (DEM-AP) gasta toda sua cota no posto Salomão Alcolumbre & Cia. LTDA, em Macapá. O mesmo sobrenome não é coincidência. Salomão, ex-suplente de José Sarney e falecido em 2011, era tio do parlamentar. O posto continua sob o comando da família.

As normas de uso da verba indenizatória proíbem a utilização da cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o deputado ou parente de até terceiro grau. De acordo com o chefe de gabinete do parlamentar, a família Alcolumbre é dona de cerca de 70% dos postos de combustível do Amapá, “sendo inviável não abastecer na empresa de parentes”.

Em todas as notas de Davi Alcolumbre às quais o Estado teve acesso, os valores discriminados dos produtos sofreram pequenos arredondamentos para que o valor final fosse exatamente o máximo que a Câmara permite para reembolso. Na nota fiscal de março, por exemplo, apesar de a soma dos produtos consumidos totalizar R$ 4.501,70, consta no valor final o montante de R$ 4.500,00. Se o documento tivesse o valor correto, Alcolumbre teria de completar R$ 1,70 do próprio bolso, ideia que parece não ter agradado o parlamentar.

Minimalista. 
A técnica utilizada pelo deputado Vinicius Gurgel (PR-AP) é ser tão apurado quanto um conta-gotas na hora de abastecer. Os volumes de combustível chegam a ser medidos com até três dígitos depois da vírgula para que a nota fiscal alcance exatos R$ 4,5 mil. Em janeiro, foram 806,451 litros de gasolina e 991,189 litros de diesel.

Nas notas apresentadas pelo deputado Manoel Salviano (PSD-CE), o “desconto” é mais claro. Consta no documento de janeiro, por exemplo, “valor dos produtos: 4.510,45” e, logo abaixo, o ‘Valor total da nota: 4.500,00”. O dono do posto em que Salviano abastece todos os meses consta nos registros do Tribunal Superior Eleitoral como financiador da campanha do parlamentar.

Em 2010, Marciano Teles Duarte doou R$ 10 mil ao candidato. 
O mesmo registro aparece nas contas do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do deputado Biffi (PT-MS). O posto em que Alves gastou quase R$ 17 mil apenas no primeiro semestre também doou R$ 10 mil para a sua campanha eleitoral. Biffi, por sua vez, gastou R$ 21,5 mil de janeiro a junho no mesmo estabelecimento que doou R$ 1.330 para sua campanha em 2010.

Total flex. 
No Senado, só há restrição para o uso de combustível nos carros oficiais. A cota, nesse caso, é de 300 litros de gasolina por mês ou 420 litros de álcool. Já o reembolso de combustível usado em outros veículos, desde que seja justificado pelo exercício da atividade parlamentar, pode chegar mensalmente a valores entre R$ 21 mil e R$ 44 mil, que são os limites máximos da verba indenizatória, dependendo do Estado de origem do parlamentar.

O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) apresentou em junho uma nota fiscal no valor de R$ 22,5 mil com a justificativa de que eram “despesas com combustíveis para atender demanda do escritório político em Boa Vista”. No posto onde a nota foi emitida, o litro da gasolina custa R$ 3,03. Com o valor da nota, é possível comprar quase 7.500 litros do combustível, o suficiente para abastecer 185 carros médios.

Neste ano, Mozarildo apresentou outras seis notas emitidas pelo mesmo posto, que variam de R$ 2 mil a R$ 3,5 mil. Somados, todos os documentos pagos pelo Senado alcançam um montante de R$ 39 mil apenas com combustível A equipe de gabinete do senador não detalhou o consumo, mas informou que todos os gastos são previstos nas regras do Senado.

Alves garante que gastos estão abaixo do limite

A assessoria de imprensa da presidência da Câmara informou que os gastos de Henrique Eduardo Alves respeitam as regras previstas em lei e estão abaixo do limite estabelecido pela mesa díretora. A assessoria de Biffi, por sua vez, afirmou que o parlamentar não tem nenhuma relação com o dono do posto onde abastece o carro e que frequenta o local por questão logística, dada a proximidade com seu escritório. Segundo o gabinete, a doação de campanha, feita em combustível, ocorreu porque Biffi é cliente antigo. 

Procurado, Ângelo Agnolin disse que o consumo é elevado, mas dentro do limite e se justifica pelo tamanho do Estado do Tocantins, onde ele desenvolve projetos em todas as regiões. Sobre a divergência de valores cobrados na mesma nota e no mesmo mês, o gabinete do deputado informou que vai analisar os documentos com mais profundidade. Manoel Salviano e sua equipe de gabinete não foram encontrados até esta edição ser concluída. / B.C.

O Estado de S. Paulo

O JEITO EMBUSTEIRO DE "GUVERNÁ" DA GERENTONA DE NADA E COISA NENHUMA 1,99 : Governo só cumpre meta de superávit primário se recorrer a 'anabolizantes'



A política fiscal vive uma crônica anunciada: 
economistas passaram o ano advertindo para o risco de o governo não estar poupando o suficiente para cumprir a meta de superávit primário (a economia de recursos que forma um colchão financeiro para o pagamento dos juros da dívida pública). As projeções negativas vingaram. Nos sete primeiros meses do ano, o setor público cumpriu parcos 29% da meta original, de 3,1% do PIB. Se quiser fechar a conta nos meses que restam, a alternativa será recorrer a alguns "anabolizantes" para bombar o resultado. 

Tomando como base estratégias anteriores adotadas pelo governo para cumprir a meta, o economista Felipe Salto, da Tendências Consultorias, estima que há alguns bons bilhões de reais que podem ser incluídos na contabilidade do primário para empurrar o resultado para cima.

A parcela mais visível vem de receitas extraordinárias com as concessões públicas. O governo previu que arrecadaria R$ 20 bilhões no ano com as concessões e ainda há quase R$ 17 bilhões para entrar no caixa. A parcela mais graúda é a contabilização dos R$ 15 bilhões do leilão do campo de petróleo de Libra, que entra na conta em novembro. "É uma receita atípica, mas vai ter um efeito positivo no resultado", diz Salto.

Outra fonte promissora é o Refis, o programa de parcelamento de dívidas junto ao governo federal. Com a adesão dos bancos, estima-se que a receita ficará na casa de R$ 12 bilhões, que poderão ser somados à conta do primário. O governo também poderá incluir entre R$ 8 bilhões e R$ 11 bilhões de dividendos que tem a receber, principalmente da Petrobrás, do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Existe ainda a possibilidade de o governo adotar medidas concretas para controlar alguns gastos que teriam efeito positivo no primário. "Com um pequeno esforço, acredito que o governo tem condições de economizar, de fato, cerca de R$ 9 bilhões", diz Salto.


Para salvar o resultado, o governo ainda tem a possibilidade legal de abater da meta um total de R$ 65 bilhões de reais, referentes basicamente a investimentos feitos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e uma parcela das desonerações. "O abatimento do valor integral ajudaria cobrir a parte de estados e municípios, que, já se sabe, não vão conseguir cumprir a meta", diz Salto.

De acordo com Salto, essa engenharia financeira poderia reunir os R$ 156 bilhões previstos, criando a ilusão de que se cumpriu a meta. "Mas, na prática, apenas cerca de R$ 54 bilhões - um terço do total - seria resultado de um real esforço fiscal", diz o economista.

Artificial. 
Como o governo não demonstra que vai admitir não ter cumprido a meta pelos trâmites convencionais, a expectativa é que recorra aos recursos extraordinários. "É plausível que o governo faça algo assim, mas não há vantagem nisso porque pelo aspecto fiscal, é tudo artificial: não está obtendo o resultado pelos fluxos normais da atividade econômica", diz economista Amir Khair, especialista em finanças públicas.


Para Khair, se o governo quiser de fato cumprir a meta do primário a partir de 2014, deve se concentrar em promover crescimento. "É assim que se garante uma arrecadação forte que favorece a realização do superávit primário", diz Khair. "Mas o governo também deve parar de fixar meta para Estados e municípios, porque, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, essa tarefa não lhe cabe."

Para o economista Fabio Giambiagi, também especialista em finanças públicas, apesar de a arrecadação ter sido um problema em 2013, o maior entrave foi gestão dos recursos. "O grande vilão é o gasto", diz. Até setembro, a despesa corrente cresceu 8 % em termos reais, com um incremento real de 2 % das despesas com pessoal, de 6 % do INSS e de 10 % nas chamadas "outras despesas de custeio e capital". 

Nesse item, os destaques foram os 11 % de aumento real da despesa com seguro-desemprego e os R$ 4 bilhões pagos pelas térmicas. "O governo deveria ser mais rigoroso na execução do gasto, mas realisticamente creio que não vai acontecer", diz Giambiagi.

ALEXA SALOMÃO - O Estado de S.Paulo