"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 29, 2012

Relator prepara penas duras para Dirceu e Delúbio

O relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, vai impor penas mais duras a três figuras centrais do escândalo: 
o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, considerado o "mentor" do esquema de pagamento de parlamentares no governo Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, considerado o "organizador", e o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, chamado de "operador" do mensalão.

Outros réus terão tratamento mais brando. 
Segundo dois ministros do tribunal ouvidos em conversas reservadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, por exemplo, poderá ter pena mais leve por ter prestado depoimentos que contribuíram para o Ministério Público embasar as acusações.

Ainda segundo os ministros ouvidos pela reportagem, o ex-presidente do PT José Genoino, apesar de ter assinado os empréstimos bancários considerados fraudulentos e que serviram para financiar o esquema e tentar ocultar a origem pública do dinheiro, poderá ter tratamento mais brando caso venha a ser condenado. 

Ministros argumentam que Genoino não agia como presidente de fato do PT, função que seria ocupada na verdade por Dirceu.

A atuação desses réus apontados como os corruptores do esquema do mensalão será analisada a partir de segunda-feira (1/10), na semana que precede as eleições municipais de 7 de outubro, pelo plenário do Supremo.

O voto de Barbosa com a condenação de réus por lavagem de dinheiro em etapa anterior do julgamento mostrou como ele deve calcular as penas. Na ocasião, a dosimetria foi divulgada por engano por sua assessoria. 

Ao calcular a pena de Marcos Valério, Barbosa considerou que o empresário dirigiu "a atividade dos réus integrantes do chamado núcleo publicitário" e recordou que ele prestou "inestimável apoio empresarial" à estrutura do esquema. Por isso, estabeleceu a pena em 12 anos e 7 meses de reclusão.

Debate

A definição das penas, conforme ministros da Corte, deve gerar debates tão intensos quanto as discussões do julgamento do mérito. A dosimetria pode definir se um réu cumprirá a pena em regime fechado ou em liberdade. 

Pelo Código Penal, quem for condenado a mais de oito anos começa a cumprir a pena em regime fechado, os que receberem penas entre quatro e oito anos podem ser enquadrados em semiaberto e quem ficar abaixo de quatro anos pode cumprir a punição em regime aberto ou até conseguir convertê-la em pena alternativa. 

Não contarão para este cálculo penas aplicadas que já estiverem prescritas.

A fixação das penas é a última etapa do julgamento. 
Depois que todos os réus forem condenados, o relator julgará qual a pena mais adequada para cada réu, levando em conta os antecedentes dos crimes, o volume de dinheiro envolvido, o motivo do crime e a reprovabilidade da conduta. 

Antes de iniciarem esta definição, os ministros deverão discutir se aqueles que votaram pela absolvição participarão ou não deste cálculo das penas.

No entendimento de alguns ministros, quem absolveu deve votar, sim, na dosimetria, aplicando a pena mais baixa. Outros, no entanto, entendem que isso não seria possível por não ser racional "absolver fixando pena". 

O ministro Luiz Fux, que tem seguido a maioria das condenações de Barbosa, é um dos que já defenderam publicamente a exclusão de quem votou pela absolvição do cálculo das penas. 

As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

EM TEMPO DE MENSALÃO : Vinte anos depois, Collor ainda responde no STF por crimes

Vinte anos depois de entrar para a História como o primeiro presidente da República a ser afastado do cargo por crime de responsabilidade, o agora senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) ainda tem contas a acertar com a Justiça brasileira.

O ex-presidente é acusado de cometer corrupção passiva, peculato e falsidade ideológica no Supremo Tribunal Federal (STF), mesma Corte que hoje julga o escândalo do mensalão no governo Lula que reúne no banco dos réus aliados e algozes de Collor, como o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o ex-ministro José Dirceu.

Os crimes teriam sido praticados quando Collor ocupava a Presidência. Desde outubro de 2009, o processo está parado no gabinete da ministra Cármen Lúcia. O procurador da República autor da denúncia, Luis Wanderley Gazoto, acredita que dois dos três crimes imputados a Collor corrupção passiva e falsidade possam estar prescritos. 

No caso de peculato, o ex-presidente só não se beneficiaria com a prescrição em caso de condenação à pena máxima de 12 anos de detenção, conforme o procurador.

Collor se livrou em 1994 do processo de corrupção. Por 5 votos a 3, o STF entendeu que não havia provas de seu envolvimento com as operações de arrecadação ilegal de dinheiro comandadas por Paulo César Farias, o ex-tesoureiro da campanha presidencial de Collor. 

Faltou um ato de ofício para configurar que o então presidente da República tinha sido de fato corrompido. 

No julgamento do mensalão, o argumento jurídico que absolveu Collor está sofrendo uma ligeira mudança em sua interpretação. Os ministros do Supremo entendem agora que o ato precisa ser apontado, mas não precisa necessariamente ter se consumado.

A sessão histórica da Câmara que aprovou o impeachment do presidente começou às 9 horas do dia 29 de setembro de 1992, com 62 deputados no plenário. Até a hora de votação, à tarde, o quorum chegaria a 480 presentes. 

Mais de 80 deputados se inscreveriam para falar até que o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), anunciasse o resultado final: 
441 votos pelo impeachment de Collor, 38 contra e uma abstenção. 

No plenário estavam nomes como Aécio Neves, 
José Serra, 
Nelson Jobim, 
Ulysses Guimarães, 
José Dirceu, 
José Genoino, 
Roberto Freire, 
Luis Eduardo Magalhães. 
À exceção do último, todos do mesmo lado: 
pró-impeachment.

Vigésimo quarto orador a falar, o hoje réu no processo do mensalão José Dirceu pregou em defesa do combate à corrupção. Na época era secretário-geral do PT, partido que hoje tem o senador Collor como aliado no Congresso:
O que necessitamos no momento é de uma profunda reforma institucional que elimine da legislação eleitoral partidária as raízes e as causas da corrupção eleitoral, que elimine da legislação penal e tributária brasileira a base para os crimes eleitorais, para a corrupção e, principalmente, para a impunidade.

Outros se sucederam. 
Na oposição, o PSDB defendeu a saída de Collor. 
Do então deputado José Serra veio o discurso mais contundente.

O presidente da República não está sendo derrubado pelos seus adversários nem por cartórios organizados. Está sendo destituído pela marcha da insensatez que ele próprio deflagrou a partir da posse. São os fatos, a dura realidade dos fatos, e não a astúcia de seus opositores, que o condenam disse Serra.

Do alto da tribuna, Nelson Jobim, relator do processo contra Collor, deu ares jurídicos e políticos ao caso. Citou o que fora apurado na CPI do PC e vaticinou:
No início eram boatos em relação à conduta do senhor presidente da República. Logo a seguir, após o depoimento público do irmão, teve início um outro momento, o da comissão parlamentar mista de inquérito. Foi com ela que a nação começou a ficar perplexa. Lá foram expostos fatos, feitos desmentidos, comprovadas contradições e realizadas investigações. Da perplexidade, o país passou imediatamente à indignação: indignação com tudo que via e lia, indignação que fez com que a CPI aprofundasse mais a sua pesquisa sobre as ações do senhor Paulo César Farias. Essa pesquisa acabou chegando às portas do palácio presidencial.

Collor deixou o Planalto em 2 de outubro, entre vaias e aplausos dos servidores da Presidência. Às 10h40m, no helicóptero presidencial, fez um pedido: queria sobrevoar as obras de um Ciac, escolas pré-fabricadas e uma das marcas de sua gestão. 

O piloto avisou que o combustível só dava para ir até a Dinda. Collor soube ali que estava de fato fora do cargo. O vice Itamar Franco assumiu e ficou no posto até as eleições de 1994.

A derrocada do presidente que assumiu o cargo em 15 de março de 1990 congelando ativos financeiros até o limite de 50 mil cruzados novos começara meses antes. Em maio de 1992, Pedro Collor, o irmão desafeto, veio a público para testemunhar: PC Farias seria testa de ferro do chefe da nação. 

Dias depois, Collor convoca cadeia nacional faria isso outras vezes com o agravamento da crise política para se explicar e lamentar as declarações do irmão, que é afastado dos negócios da família pela mãe, Leda Collor. Em junho, a CPI mista é instalada no Congresso. Os acusados, ouvidos. PC Farias se limita a dizer que recebeu muitos pedidos de empresários, mas, crime, não cometeu.

Surge o personagem-chave, Eriberto França. O motorista declara que pegava cheques para pagar despesas da Casa da Dinda, residência oficial de Collor. A quebra de sigilo bancário descobre correntistas-fantasmas usados para movimentar o dinheiro do Esquema PC. Parte deles foi usada para pagar as despesas do presidente. 

O GLOBO noticia uma das mais simbólicas: 
o Fiat Elba que Collor usava em seus passeios dominicais. José Carlos Bonfim era o dono do cheque. José Carlos Bonfim não existia. Era um dos correntistas-fantasmas do esquema.

O novo processo contra Collor foi aberto em 2000, depois de idas e vindas entre o Supremo e a Justiça Federal. O Ministério Público Federal denunciou-o por envolvimento num suposto esquema de fraude em licitações e pagamento de propina. Conforme a denúncia, empresários do setor de publicidade pagavam propina a auxiliares diretos do então presidente. 

Em troca, as empresas ganhavam contratos em concorrências direcionadas. Contas pessoais de Collor, como pagamento de mesada para um filho só depois reconhecido pelo presidente, eram quitadas com a arrecadação ilícita, cita a denúncia.

A alegação final da Procuradoria-Geral da República, anexada aos autos ainda em 2008, ressalta que o presente caso é absolutamente diverso de outros procedimentos já arquivados no STF. Em setembro de 2009, o processo foi remetido para a nova relatora, ministra Cármen Lúcia. Não houve uma única movimentação desde então.

Por meio de sua assessoria, a ministra sustenta que o processo é longo e que precisou dar prioridade à ação do mensalão e à do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), que corriam maior risco de prescrição. Cármen Lúcia diz que o relatório e o voto estão prontos e serão repassados ao ministro revisor, Dias Toffoli, após o julgamento do mensalão.

Advogado de Collor no processo, Rogério Marcolini disse que o cliente é o maior interessado no julgamento. E que Collor não teve participação na seleção e contratação de agências de publicidade, e não foi beneficiado. Por isso, sustentou, será absolvido de novo.

O Globo