"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 20, 2012

SE A REPÚBLICA É DA ENGANAÇÃO... A CANALHA FAZ "FESTA COM DISTRIB. SOCIAL DE BENEFÍCIOS" : MÁFIA DO SUPERENDIVIDAMENTO

Até para quem não sabe ler, o apelo é tentador.
Letreiros coloridos exibem reproduções de notas de R$ 50 e R$ 100 e imagens de idosos sorridentes. "As melhores conquistas também fazem parte da melhor idade", diz um deles.


"Mais rápido e pronto para resolver seus problemas", promete o outro. No comércio de Coroatá, cidade do cerrado maranhense a 276 quilômetros de São Luís, casas de empréstimo consignado estão em cada esquina.

Elas chegaram dispostas a democratizar o acesso ao crédito "fácil, sem consulta ao SPC ou avalista", mas tudo o que conseguiram foi levar para o sertão uma epidemia que se espalha pelo país:
o golpe do superendividamento, embalado pela exploração da boa-fé de aposentados e pensionistas.

Damião Sátiro de Oliveira, de 71 anos, caiu na tentação. Analfabeto e aposentado rural em Coroatá, recorreu a uma das lojas, cujo nome não lembra, para pedir um empréstimo consignado. Queria pagar uma dívida. Entregou os dados pessoais e calcou o dedo polegar no contrato.

Meses depois, descobriu que outros quatro empréstimos foram feitos em seu nome, sem que tivesse autorizado.
Hoje, recebe apenas R$ 300 do benefício de R$ 622 - o restante é retido para pagamento das dívidas - e foi obrigado a cortar remédios de uso contínuo para viver com metade da renda habitual.

- Nunca ouvi falar dos bancos que estão descontando o meu dinheiro. Para piorar, a minha mulher caiu no mesmo golpe - lamentou o aposentado.

Mas Damião Oliveira não é um caso isolado.
Em um país que registrou, somente nos cinco primeiros meses de 2012, R$ 11,4 bilhões em contratos de empréstimos consignados, o INSS reconhece que o golpe do superendividamento não é um problema só dos bolsões de pobreza do Nordeste, mas de todo o Brasil.


O instituto já recebeu denúncias de que, para atrair os incautos, há até pequenas lojas que colocam a logomarca "INSS" na fachada. Oficialmente, a Previdência Social contabilizou 3.200 vítimas do golpe no ano passado, mas o número pode estar subestimado. Somente o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Coroatá ajuizou 600 ações indenizatórias em nome de vítimas do golpe e pretende ingressar com outras 400.

- Estão transformando uma legião de miseráveis em uma legião de miseráveis endividados - lamenta o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Empréstimos em mais de uma cidade

Presidente da comissão de juristas que preparou o anteprojeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), Benjamin se refere aos aposentados e pensionistas mais pobres, vítimas preferenciais dos golpistas e do próprio sistema de crédito, que não informa os riscos do empréstimo.

Para estancar a sangria, a comissão está propondo o veto à prática de atos de assédio ao consumidor de crédito, especialmente o idoso, o doente ou em estado de vulnerabilidade agravado, e um limite de endividamento pessoal fixado em 30% da remuneração mensal líquida, chamado de "mínimo existencial".

- O crédito consignado é uma bomba-relógio, uma perversão da democracia. É como medicamento. Se a pessoa não tem condições de entender a bula, não tem também condições de identificar os perigos do contrato de crédito - disse Benjamin.

Por lei, a concessão de empréstimos à revelia do favorecido é caso de polícia. Por causa disso, o INSS mantém, desde março, um posto avançado na Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso de Teresina, que atua em todo o Piauí e suspende o desconto das parcelas dos empréstimos consignados quando o aposentado prejudicado registra o caso em boletim de ocorrência.

Mas a investigação é difícil, desarticulada e raramente chega à autoria do crime.

Como as operações de empréstimo consignado são fechadas por agentes credenciados pelas instituições financeiras (os correspondentes bancários ou "pastinhas", como são popularmente conhecidos), eles encabeçam a lista de suspeitos do golpe. Isso não significa que sejam os únicos.

De acordo com o INSS, um dos casos mais comuns é a chamada fraude familiar, quando um filho ou parente se vale da boa-fé do aposentado e falsifica documentos, ou até mesmo mente para que o idoso assine um papel dando à pessoa a autorização para fazer empréstimos em seu nome.

O golpe do superendividamento não prospera apenas nas camadas mais pobres da população. A aposentada carioca Sônia Regina Canha Rosa, de 53 anos, tomou um susto quando recebeu apenas R$ 700 da aposentadoria mensal de R$ 6,2 mil.

Ao cobrar explicações do INSS, descobriu que incidiam sobre o benefício as parcelas correspondentes a dois empréstimos consignados que alegou nunca ter pedido:
- Quero meu dinheiro de volta.

Sônia disse que, há meses, o seu nome tem sido usado em vários tipos de golpes, entre os quais a compra de equipamentos eletrônicos e a instalação de linhas telefônicas.

Ela acredita que os dois empréstimos consignados estão nesse contexto. Com o apoio da Defensoria Pública, a aposentada ajuizou ações de ressarcimento, mas só conseguiu a devolução do dinheiro de um dos bancos, ainda assim sem juros:


- O que mais me impressiona é a quantidade de pistas deixadas pelos golpistas. Mas ninguém, dos lojistas aos funcionários dos bancos, fez nada para esclarecer.

O presidente do Sindicato Rural de Coroatá, Antônio Viana, disse que o golpe não perdoa nem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que assegura transferência de um salário mínimo a pessoas com mais de 65 anos e que não pode ser usado para empréstimos consignados.

Viana disse que, para burlar o veto, o "pastinha" abre uma nova conta bancária em nome do beneficiário, para onde o dinheiro é transferido sistematicamente. Como é conta comum, está livre para aceitar as consignações.

Em Coroatá, pedidos de indenização já são 80% das 3.700 ações em andamento na vara especializada.

Na tentativa de reduzir o número de fraudes, o INSS determinou que não sejam mais efetuados empréstimos de um mesmo segurado em estados diferentes. Antes, uma mesma pessoa podia fazer empréstimos em cidades diferentes, o que fez com que muitos golpistas aproveitassem para conseguir, com documentos falsos, a liberação de empréstimos em cidades diferentes da que a vítima residia.

Ou seja, demorava muito para que o aposentado tomasse conhecimento e pudesse saber de onde veio a fraude.

Para o ministro Herman Benjamin, o que foi feito até agora não resolve.
Ele disse que, entre as medidas cobradas, é preciso analisar "certa promiscuidade" entre o empregador público e as instituições credenciadas para operar o crédito consignado:
- O crédito não é algo que se deva oferecer, mas, sim, buscar.
Não sou contra.

É um instrumento de distribuição social dos benefícios da sociedade de consumo.

Porém, se não houver providências das autoridades, o crédito terá efeitos catastróficos na vida de milhões de brasileiros sem condições de pagar dívidas sem fim.


Chico Otavio O Globo

O BRASILEIRO DO "brasil maravilha" DEVE R$22 bilhões NO CHEQUE ESPECIAL.

O brasileiro que precisa recorrer ao cheque especial para fechar as contas do mês usa esse tipo de crédito um dos mais caros do mundo por 22 dias, em média. Ou seja, o salário desses correntistas dura apenas oito dias na conta. Depois disso, começam a usar o limite.

O custo da estripulia financeira é estratosférico.

No Brasil, os juros cobrados nessa modalidade são de 185% ao ano. Os dados mais recentes do Banco Central (BC) mostram que mesmo num momento de crescimento dos empréstimos e de consolidação de linhas de financiamento mais baratas como o consignado , o volume de crédito no cheque especial cresceu 15,6% somente nos três primeiros meses do no.

Ao todo, são R$ 21,9 bilhões negativos.

Se todo esse dinheiro fosse dividido pelo número de correntistas do país, significaria que cada pessoa que tem conta em banco está R$ 190 no vermelho.
Jovem solteiro é o maior cliente do cheque especial

Nem o BC nem a Febraban têm um perfil do endividado no cheque especial, mas as instituições financeiras fazem de perto esse controle não apenas para calcular o risco que correm, mas também para prever os lucros.

Na Caixa Econômica Federal, os clientes que mais usam essa modalidade de crédito são os solteiros.


O banco identificou ainda que são pessoas entre 25 a 35 anos, sem filhos, e com ensino médio completo e renda mensal entre R$ 700 e R$ 2 mil.

Já o Banco do Brasil constatou que os correntistas que recebem salário pela instituição são os que mais ficam no vermelho. O banco alega que só permanece nessa ciranda financeira quem desconhece o programa de redução dos juros lançado recentemente que permite um refinanciamento da dívida.

Itaú, Bradesco e Santander se recusaram a informar quais as características dos seus clientes que vivem pendurados no cheque especial. Juntos, esses cinco bancos detém mais de 70% dos ativos do mercado bancário brasileiro.

Durante anos, o BC tem alertado correntistas sobre o peso pesado desses juros. Proibitivo é o adjetivo usado recorrentemente pela autarquia para classificar a taxa do cheque especial. A palavra foi adotada no vocabulário do brigadista Rafael Rocha.

Ele descobriu a duras penas que bastava entrar no vermelho que o seu banco aumentava o limite. Começou com R$ 40 negativos. Quando deu por si, estava com um rombo de R$ 400 na conta. A dívida não cabia mais no bolso. Rafael precisou fazer um acerto com a instituição para estancar os juros.

Aproveitou o momento da economia com taxas menores ao consumidor , foi à agência, negociou com o gerente e trocou seu débito caro, que não parava de crescer, por um crédito mais barato e com juros fixos acertados no início do contrato.

Hoje, só usaria o cheque especial em uma situação em que eu precisasse muito e se estivesse perto de receber salário, só para não correr o risco de cair de novo nos juros conta Rafael.

Especialista recomenda cortar gastos supérfluos

Renegociar dívidas é o conselho do educador financeiro Ronaldo Domingos. O economista, presidente do instituto Dsop, recomenda que o endividado faça um diário por um mês. O prazo curto é para não tornar chata e cansativa a tarefa de controlar as finanças. Todas as despesas devem ser contabilizadas para que a família tenha a exata noção para onde vai o salário e onde está o desperdício.

De acordo com um levantamento da bandeira de cartão Visa, o brasileiro não sabe onde gasta 26% de tudo o que ganha. A pesquisa da empresa mostra que, em média, o descontrole consome R$ 2,4 mil por ano de cada brasileiro.

Para Domingos, é com esse dinheiro que o endividado crônico deve quitar sua dívida no cheque especial. Por isso, considera tão importante o diagnóstico feito durante o primeiro mês para cortar supérfluos e reestruturar as despesas.

Geralmente, essa pessoa vê que gasta mais do que ganha argumenta Domingos.

Se frear o consumo não for o suficiente para sair do sufoco, ele sugere pegar créditos mais baratos como o desconto em folha de pagamento. Nessa situação, é preciso abolir o cheque especial para não correr o risco de acumular mais dívida.

Domingos alega que este é o momento ideal para fazer essa transição. Com a queda dos juros bancários determinada pela presidente Dilma, que usou instituições públicas para forçar a concorrência, os principais bancos reduziram as taxas .

Para o especialista, a tarefa é difícil, principalmente porque o brasileiro que se afunda no cheque especial é jovem, que, para aproveitar a vida, incorpora a linha de crédito ao salário e usa o dinheiro para consumir:

É uma ciranda, a consequência é a inadimplência .