"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 29, 2012

GOLPE DE ESTADO :UMA PROPOSTA ASSUSTADORA E A REVOLTA DOS INATIVOS.

Com todos os olhos e ouvidos voltados para a CPI que promete abalar Brasília, não se deu a devida atenção a uma decisão tomada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na última quarta-feira.

Revoltados com o "ativismo" do Supremo Tribunal Federal, os deputados resolveram exorbitar:
autorizaram a tramitação de proposta de emenda constitucional que dá ao Congresso a prerrogativa de suspender atos do Poder Judiciário.

Ou seja, em reação a uma presumida interferência da Justiça nas atividades do Legislativo dá-se um peteleco na Constituição com a sem cerimônia de quem vai ao bar da esquina. Como bem observa o ministro Luiz Fux, do STF, "não é assim tão fácil".

A independência dos Poderes é cláusula pétrea da Constituição, o que significa que para mudá-la de forma ao Legislativo ter o direito de desfazer atos do Judiciário seria necessário convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

E por que, então, discorrer sobre isso se o absurdo é assim tão evidente e a chance de prosperar aparentemente nula?
Justamente porque a nulidade é aparente.

Existe chance de a proposta prosperar na Câmara se não se atentar para a completa falta de juízo da douta Comissão de Justiça. Um dos poucos, talvez o único, parlamentar a se posicionar contra, o deputado Chico Alencar previu:
"Vai virar discurso de valorização do Legislativo."
Na opinião dele a proposta "é tão irracional e ilógica quanto popular aqui dentro". Precisa previsão.

O autor da emenda, deputado Nazareno Fonteles, faz exatamente esse discurso alegando que o Judiciário não tem legitimidade para legislar e defendendo a tese de que o Legislativo "precisa ser o Poder mais forte da República" por seu caráter representativo da sociedade.


O leitor ouviu direito, ele propõe a instituição do conceito de desequilíbrio entre Poderes.

Voltemos ao ministro Fux, que entende do riscado e explica o que se passa. Primeiro há o pressuposto da cláusula pétrea. "Em segundo lugar, se o Congresso está insatisfeito com o que chama de judicialização da política é preciso que seja informado sobre a impossibilidade de o Judiciário não se manifestar sobre os temas postos à sua consulta."

Portanto, estamos bem entendidos até aqui:
o Supremo não inventa debates nem levanta questões por iniciativa própria, apenas examina e se pronuncia sobre a constitucionalidade desse ou daquele assunto quando provocado a fazê-lo. E por que há tantas consultas ao tribunal?

Aqui entra o terceiro ponto a ser esclarecido pelo ministro Luiz Fux:
"Porque por sua própria estratégia política os parlamentares não enfrentam questões difíceis por receio de assumir eventual impopularidade decorrente dos conflitos que os temas encerram".

Quer dizer, justamente por serem dependentes de votos deputados e senadores se esquivam das polêmicas.
E aí, o que ocorre?
Criam-se os vácuos que o Judiciário, quando instado, é obrigado a preencher.

O ministro Fux lembra que o Supremo não precisaria ter-se pronunciado a respeito, por exemplo, da interrupção da gravidez de feto anencéfalo,
da união homoafetiva,
das cotas para negros nas universidades,
se o Congresso tivesse legislado sobre essas matérias.

Conclusão, suas excelências não precisam agredir a Constituição nem desconstruir a República para defender as prerrogativas do Poder Legislativo:
basta que não se acovardem diante de potenciais controvérsias e saiam da inatividade no lugar de reclamar do ativismo alheio propondo soluções fáceis e equivocadas.

Dora Kramer O Estado de S. Paulo
A revolta dos inativos

Brasileiros pagam R$ 194,8 bilhões de juros bancários por ano, ou R$ 3,6 mil por cliente

Os brasileiros gastam R$ 194,8 bilhões por ano com pagamento de juros de empréstimos bancários. Isso equivale a dizer que, se todas as 54 milhões de pessoas com conta em banco hoje tivessem buscado crédito no sistema financeiro, cada uma teria um gasto anual de R$ 3,6 mil.

Essa cifra corresponde à despesa só com juros, sem considerar a amortização do empréstimo principal. Os cálculos da despesa com juros foram feitos, a pedido do Estado, pelo presidente da empresa de classificação de risco Austin Rating, Erivelto Rodrigues.

Para chegar a esse resultado, foram consideradas cinco linhas de crédito:
cheque especial,
crédito pessoal,
crédito consignado,
aquisição de veículos
e de bens.

Os saldos e as respectivas taxas de juros cobradas em cada linha usadas no cálculo estão disponíveis no relatório de crédito de março do Banco Central. Ficaram de fora o crédito imobiliário e o cartão de crédito.

Os dados mostram que, para as linhas analisadas, o gasto com juros cresceu 60% em três anos. Em março de 2009, a despesa anual com juros das linhas de crédito analisadas era de R$ 121,5 bilhões e, em março deste ano, atingiu R$ 194,8 bilhões.

No mesmo período, o saldo das operações de crédito correspondentes cresceu 85%:
de R$ 264,5 bilhões em março de 2009 para R$ 490,7 bilhões em março deste ano. "O ritmo de aumento do gasto com juros foi menor do que o aumento do volume dos empréstimos feitos ao consumidor exclusivamente por causa da redução da taxa básica de juros, Selic, já que o spread ficou estável no período", ressalta Rodrigues.

Em março de 2009, a Selic efetiva, que é o parâmetro do custo de captação dos bancos, estava em 11,7% ao ano. Em março deste ano, era de 9,4%. A queda é de 2,3 ponto porcentual. Durante esse período, o spread, que é a diferença entre o custo de captação e de empréstimo, ficou estável em torno de 28%.

Nas últimas semanas, o governo vem pressionando os bancos privados a reduzir os juros cobrados do consumidor para impulsionar o consumo, reativar o mercado doméstico e a atividade econômica, que enfraqueceu no primeiro trimestre.

A estratégia foi baixar as taxas cobradas nas linhas de crédito dos bancos oficiais (Caixa e Banco do Brasil) para acirrar a concorrência e forçar a queda dos custos dos empréstimos aos clientes. Fabio Silveira, sócio da RC Consultores, compara o efeito atual dos juros, amarrando o consumo, com o impacto nos preços exercido pela inflação.

"O Plano Real tirou o peso da inflação no mercado doméstico, que foi trocado pelos juros e impostos." Silveira diz que, no momento atual, no qual a economia mundial deve crescer 2,5% este ano, a metade de 2011, é crucial reduzir os juros para garantir o dinamismo do mercado doméstico.

"Imagina o quanto poderíamos ter crescido se não tivéssemos carregado juros elevados por quase 20 anos?", questiona.

Márcia De Chiara O Estado de S. Paulo