"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 05, 2011

GOVERNANDO COMO BIRUTA .

Clareza de objetivos é condição necessária para o sucesso de qualquer política. Na área econômica, então, é crucial. Passados quatro meses do início da gestão Dilma Rousseff, clareza é tudo o que não se vê nas ações empreendidas até agora. O governo mostra-se errático; não sabe se tenta controlar o câmbio ou se segura a inflação. Na dúvida, não consegue fazer nem uma coisa nem outra.

Pelo menos duas reportagens dos jornais de hoje mostram que o governo está jogando na lata de lixo a receita que seguiu até agora. Dilma parece ter percebido que apostou no cavalo errado contra a inflação e está vendo o equívoco cobrar seu preço. Vê-se agora empurrada a apelar para a ortodoxia dos juros altos e a deixar o real valorizar-se para debelar a escalada dos preços.

Segundo O Estado de S.Paulo, o câmbio será usado agora como mais um instrumento de combate à inflação. Significa que serão abandonados os esforços para evitar que o dólar fique cada vez mais baratinho. Significa que o país terá mais dificuldades para exportar e que muitas das indústrias nacionais correrão o risco de sucumbir diante da concorrência estrangeira.

Com isso, o governo admite que foi um fiasco sua política de enfrentar problemas a conta-gotas - como os sucessivos aumentos de IOF para segurar o dólar e as ações para diminuir o crédito para conter a demanda e a inflação. Segundo um auxiliar da equipe econômica ouvido pelo Estadão, "não podemos ficar de medida em medida". Já era tempo.

Vendo que sua equipe bate cabeça, a presidente da República teria decidido "pegar as rédeas da economia", segundo o Valor Econômico em sua manchete de hoje. Em termos práticos, diz o jornal, isso teria significado optar pelo aumento de juros, pelo corte de investimentos e pelo abandono das ações para conter o dólar.

Durante viagem à China, Dilma teria percebido que sua política inicial teria chegado ao "fundo do poço", nas palavras de um assessor graduado do governo reproduzidas pelo Valor. "Preocupada com a ineficácia da estratégia adotada [nos primeiros três meses de sua gestão], Dilma começou a mudá-la em meados de abril. A presidente considera maio o mês do verdadeiro início do seu governo".

O objetivo único agora é combater a inflação - que só "profetas do caos" enxergam, segundo disse o ex-presidente Lula numa de suas milionárias palestras. Demorou. Durante vários meses, Dilma recusou-se a admitir que a carestia estava voltando a ser algo a merecer especial atenção do governo. Desdenhou o problema, baseada em falsas convicções - a mais grave delas a de que os aumentos refletiam apenas um movimento especulativo global em torno dos preços das matérias-primas.

Num momento em que era necessário redobrar a atenção, o governo da presidente optou por medidas de laboratório, como as chamadas "macroprudenciais", com as quais preferiu restringir a oferta de crédito ao invés de agir para esfriar a demanda por meio da política monetária.
A tese em si não é má, só é bastante inadequada pra situações de descontrole, como a que atravessamos.


Diante de um orçamento engessado e sobrecarregado pelo absurdo aumento dos gastos nos anos recentes, a atual gestão também opta agora por garrotear os investimentos, que cresceram 2,5% abaixo da expansão do PIB no primeiro trimestre.

É a velha má receita sendo posta em prática: em lugar de diminuir seus gastos correntes, o governo deixa de investir na melhoria da estrutura do país e cobra mais tributos dos contribuintes. Sem norte, também apela para que empresas não remarquem preços.

Governantes costumam começar seus mandatos atacando de cara os principais problemas.
Não foi o que se viu na atual gestão.
A dura realidade não convive bem com vácuos; quando menos se espera a tempestade já invadiu.
À boca pequena, o governo já conta que a economia cresça neste ano metade do que cresceu em 2010. Não foi por falta de aviso.


Fonte: ITV

Quase 40% dos inadimplentes dizem não poder pagar dívidas

O Índice de Expectativa das Famílias (IEF), em pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 5, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que 51,5% das famílias brasileiras entrevistadas em abril disseram não ter nenhuma dívida.
No entanto, entre aquelas que admitem estar inadimplentes, 38,6% afirmaram não ter condições de pagar as contas atrasadas, um número considerado "preocupante" pelo Ipea.


O indicador sobre a perspectiva de inadimplência das famílias caiu 1,9 ponto porcentual no mês passado em relação a março (40,5%), mas cresceu 6,4 pontos porcentuais ante janeiro (32,2%).

A pesquisa do Ipea mostra que, na Região Norte, 54,2% das famílias afirmaram não ter como pagar suas dívidas.
Em seguida, está a Região Nordeste (37,6%),
Sudeste e Sul (ambas com 36,3%)
e Centro-Oeste (22,7%).
O valor médio da dívida das famílias que admitem ter contas atrasadas passou de R$ 4.194,97 em março para R$ 5.247,78 em abril.


Segundo avaliação do presidente do Ipea, Márcio Pochmann, o crescimento do valor médio da dívida nos domicílios pode ser explicado, em parte, pelo maior número de famílias que não conseguiram pagar suas contas nos meses anteriores, o que faz o valor da dívida crescer. Pochmann também levou em consideração o efeito das medidas do governo para conter o crescimento do crédito, que incluem aumento da taxa de juros.

A pesquisa mostra que, em abril, houve um ligeiro aumento no total de famílias com planos para tomar financiamentos ou empréstimos nos próximos três meses. O porcentual passou de 6,5% em março para 6,64% em abril.

O maior patamar foi verificado no Nordeste (10,2%) e no Sudeste (6,2%).
Entre março e abril, três das cinco regiões do País tiveram aumento na quantidade de famílias interessadas em empréstimos; no Sudeste e no Sul, essa intenção caiu.


O IEF é uma pesquisa mensal realizada pelo Ipea sobre a percepção das famílias, com entrevistas em 3.810 domicílios, em 214 municípios do País.

Pupança :

As cadernetas de poupança tiveram em abril uma captação líquida negativa de R$ 1,762 bilhão, segundo dados divulgados há pouco pelo Banco Central.
O número é resultado de depósitos de R$ 96,572 bilhões e saques de R$ 98,335 bilhões.

Circe Bonatelli, da Agência Estado

MAIS UM CALOTE? Aposentados correm o risco de não receber R$ 1,5 bilhão.

Com o corte de R$ 50 bilhões do Orçamento deste ano, o governo federal alega não ter dinheiro para pagar imediatamente R$ 1,5 bilhão a mais a 130 mil beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que se aposentaram entre 1991 e 2003.

Os benefícios desses aposentados foram calculados com um teto da Previdência Social inferior e, por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o pagamento da diferença.

O Ministério Público Federal de São Paulo e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro ameaçam entrar com ação civil pública para garantir rapidez no pagamento. Segundo a assessoria de imprensa do INSS, o governo ainda estuda os critérios para pagar essa dívida com os aposentados, mas no momento há "indisponibilidade de recursos".

Em setembro do ano passado, o STF determinou que o INSS fizesse o pagamento retroativo a um beneficiário que pedia a correção de aposentadoria de acordo com o novo teto fixado pela Emenda Constitucional 20, de 1998.
Com a mudança, o teto de R$ 1.081,50 subiu para R$ 1.200.
O benefício foi garantido também às pessoas que se aposentaram antes de 1998 e em 2003
.


O acórdão da decisão do STF foi publicado no Diário Oficial da União de 15 de fevereiro deste ano.
Quase três meses se passaram e o pagamento não foi efetuado. Diante dessa situação, o Ministério Público Federal de São Paulo e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro enviaram ofício ao INSS questionando a demora.

Edna Simão, O Estado de S. Paulo

EM NOME DA PÁTRIA EFICIENTE.

Ética Natureza e Prosperidade
Em 1983, o então governador de São Paulo, Franco Montoro, dizia a um grupo de prefeitos que não havia recursos para construir o viaduto que pleiteavam.
Os prefeitos reagiam:
"O senhor não pode agir como um tecnocrata, a decisão é política."


Montoro pegou a deixa e arrematou:
"Então, politicamente está decidido. Quanto tiver dinheiro, a gente faz."


Nesta semana, em debate no Congresso, o presidente do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler, disse que o TCU adotará uma "visão política" no exame das obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Há duas possibilidades na análise de uma obra pública, regular ou irregular.
A irregularidade pode ser leve ou grave, dolosa ou culposa, mas em qualquer caso trata-se de mau uso do dinheiro do contribuinte.
Como seria, portanto, uma reação política do TCU diante de indícios de irregularidades?


Zymler explicou:
"Devemos paralisar um estádio a seis meses da Copa do Mundo? Nestes casos, vamos levar em conta a importância do evento, o nome do Brasil como empreendedor eficiente."


Repararam a contradição?
Se o Brasil fosse mesmo um empreendedor eficiente, então as obras não estariam sendo feitas às pressas, com regras, digamos, mais flexíveis.
Se o TCU, portanto, detectar uma obra irregular e mesmo assim deixar que ela siga adiante, não estará defendendo a imagem de um Brasil eficiente, mas apenas fechando os olhos para uma ineficiência.


Eis a visão política à brasileira.
Esqueçam os números, a análise técnica, a lei e a ética.


Na história de Montoro, os prefeitos simplesmente ignoravam as restrições orçamentárias.
Como pode não ter dinheiro se a obra é necessária e, sobretudo, reivindicada por políticos eleitos, que a prometeram ao eleitor?
Essa é a visão que produz o déficit público e devolve a conta ao contribuinte.


Nos comentários de Zymler aparece uma visão política que passa por cima de restrições legais ou éticas.
Em nome da Copa e das Olimpíadas, pode-se ser mais flexível nas regras e mais tolerante na fiscalização.


A equação só fecha se a realização dos eventos esportivos entrar na categoria de interesse nacional.
Ou, falando francamente, se for um acontecimento patriótico.


Governos, em toda parte, tratam de vender isso.
O governo chinês claramente utilizou as Olimpíadas para apresentar ao mundo a China como a nova potência global.

No Brasil, o ex-presidente Lula e membros do governo Dilma consideram as críticas à administração das obras da Copa como atitudes de lesa-pátria.
Acham que a oposição quer ver o fracasso do Brasil só para atrapalhar o governo. Colocam a imprensa independente nessa categoria.


A pressão é tão intensa (lembram-se das broncas de Lula com o TCU?) que a "visão política" já prevalece. O atraso nas obras não é culpa da oposição, nem da imprensa, mas inteiramente do governo Lula.

Por exemplo, faz tempo que membros desse mesmo governo diziam que sem concessão os aeroportos não ficariam prontos. Agora, a presidente Dilma anuncia concessões, mas claramente já perdeu o prazo.

Lula reclamava das regras de licitação e de licenciamento ambiental.
Mas não encaminhou nenhuma medida de fundo para aperfeiçoar essas legislações.


Diante do evidente atraso, o governo Dilma propõe uma medida provisória para criar uma espécie de "via rápida" de licitações e fiscalização de obras.
O presidente do TCU apoia a MP, que certamente será aprovada pelo Congresso sob o argumento de que o Brasil não pode fazer feio.


Assim, caímos na "visão política" e no quebra-galho.
Nossa experiência diz que isso termina em obras malfeitas e caras.

Carlos Alberto Sardenberg O Globo