"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 28, 2011

DOIS MANDATOS DE MUITA CACHAÇA, APADRINHAMENTO, APARELHAMENTO, EMPREGUISMO CLIENTELISTA, PARTIDARIZAÇÃO. ENFIM, ASSENHOREAMENTO.ACABOU? NÃO!

O grande crescimento do contingente do funcionalismo público é uma das marcas dos dois mandatos de Lula.
Em servidores concursados, houve 115 mil admissões, elevando o quadro total para a faixa do milhão de pessoas.
Uma das justificativas foi a substituição de empregados terceirizados.


Mas, a julgar pela evolução de despesas com este tipo de prestação de serviços, aconteceu o oposto:
por exemplo, apenas com terceirizados contratados para o trabalho de copa e cozinha, nestes oito anos, o gasto subiu 245% acima da inflação.

As cifras em valores absolutos não são grandes dentro de um Orçamento contabilizado às centenas de bilhões, mas o percentual é sugestivo e coerente com uma política de rápida e desbragada expansão de gastos com pessoal.

O inchaço foi em todas as máquinas burocráticas dos três poderes.
Enquanto em 2002 a folha de salários dos servidores foi de R$75 bilhões, no ano passado atingiu a R$184 bilhões, mais de 80% de crescimento real.

Outra justificativa:
ampliação e melhoria dos serviços públicos.

Não se tem notícia nem de uma, nem de outra.
A oferta de serviços continua deficiente, assim como a qualidade.

Há informações de ampliação de quadros em áreas de fato vitais, como a Educação - escolas técnicas e universidades federais - e Saúde.

Mas, principalmente neste último setor, o governo continua deficiente, enquanto volta e meia há quem insista com a volta da CPMF, como se o problema pudesse ser resolvido pela injeção de mais dinheiro do contribuinte numa estrutura mal gerenciada, regida por normas esclerosadas e inspiradas no corporativismo.


Outra válvula da gastança com pessoal são os chamados "cargos de confiança", preenchidos, em geral, por apadrinhamentos, vínculos pessoais e/ou ideológicos e políticos.
Eram 18 mil em 2002, aproximavam-se dos 22 mil no final da Era Lula.
A estatística fornece a medida do aparelhamento, em alguns casos, e da conversão de áreas do governo em cabides de emprego a serviço do clientelismo, em outros.

Da equipe da Pasta do Desenvolvimento Agrário, convertida em capitania hereditária de "movimentos sociais", 63% são de servidores comissionados, nomeados sem concurso, numa canetada, ou 330 pessoas com remuneração quase sempre superior à dos funcionários de carreira.


No Ministério da Pesca, outro bunker companheiro, os cargos ditos de confiança são quase 60% do quadro total de 602 pessoas.

Em Minas e Energia, sob influência de José Sarney, os postos comissionados são 68% do total de cargos da Pasta.

Esta é outra faceta da má administração de pessoal e despesas nestes últimos oito anos.

Não houve preocupação com a qualidade do atendimento às demandas da sociedade, em todos os campos, e bilhões serviram para consolidar alianças político-eleitorais com corporações sindicais do funcionalismo, além de partidarizar ministérios e órgãos subordinados.

O Globo

"As leis são como as teias de aranha que apanham os pequenos insetos e são rasgadas pelos grandes." (Sólon) . POIS É, NADA DEMAIS!

A gente não pode querer o padrão japonês, pelo qual o dirigente político ou empresarial se suicida quando é apanhado fazendo alguma coisa muito errada.

A verdade é que nem os japoneses de hoje seguem essa regra.

O comportamento em geral anda mais frouxo.
Mas os nossos políticos inventaram algo radical nessa linha, o "não tem nada de mais".


O senador Requião arranca o gravador das mãos de um repórter porque se sentiu ameaçado pelas perguntas.
O presidente da Casa, José Sarney, explica mais ou menos assim:
pois é, melhor que não tivesse acontecido, mas também não vamos exagerar, o Requião ficou nervoso, é assim mesmo.

Restrição à liberdade de imprensa?
Imagine! Que é isso?
Um assalto com violência física?
Imagine!
Só arrancou um gravador, nem deu um soco, nem nada.

De onde se pode concluir:
se um repórter se irritar com um pronunciamento de Sarney e achar que o senador está incomodando, fica autorizado a arrancar-lhe o microfone.

Violação à imunidade parlamentar?
Imagine!

A pergunta que irritou Requião era sobre sua aposentadoria como ex-governador do Paraná - assunto que também está na categoria "não tem nada de mais".

O sujeito fica no cargo quatro anos ou, vá lá, cansativos oito anos, e leva uma aposentadoria integral.
Nenhum trabalhador comum consegue isso, mas, e daí?

Reparem:
o beneficiado acha que nem precisa justificar a vantagem obtida às custas do dinheiro dos cidadãos. Toma o gravador de quem pergunta e ainda se diz vítima de uma ofensa pessoal.

Passo seguinte, o repórter tenta levar o caso para a Corregedoria do Senado, mas não vai dar.
Sabe o que é, explica Sarney, ainda não deu para nomear o corregedor, então não há quem possa receber a denúncia.


Atenção, portanto, senadores:
o jogo está inteiramente liberado, os senhores e as senhoras podem tomar microfones, agredir fotógrafos, roubar o quanto quiserem, mas, cuidado, tem limite, é só enquanto não tem corregedor.
Isso aqui é sério!


Se ela pode

A chefe da Polícia Rodoviária Federal, Maria Alice, perdeu a carteira de motorista. Estourou o limite de 30 pontos.
E só entregou a carteira depois de notificada e denunciada.


Qual o problema?
Entre outras explicações, disse que o carro em nome dela, e que foi apanhado na série de infrações, é usado por outros membros da família.
Daí o acúmulo de multas.


Ou seja, não tem nada de mais.

Mas, reparem:
estão nos dizendo que a chefe da PRF e mais seus familiares não cumprem as leis do trânsito.
E que, mesmo assim, ela tem condições de chefiar a polícia cuja função é cuidar para que os cidadãos respeitem aquelas regras.


Isso tudo em um país cuja cultura de trânsito reza o seguinte:
você decide se pode passar um sinal vermelho, estacionar em baixo da placa de proibido, parar na fila dupla etc.

O argumento:
não pode, certo, mas, sabe como é, eu estava atrasado, precisava pegar uma encomenda ali mesmo, a criança não pode ficar esperando na porta da escola.

Não tem nada de mais.

Multado?
Denuncie a indústria de multas.
Há um novo excelente argumento:
se a chefe da PRF cometeu mais de 30 pontos...

Se ele pode

O senador Aécio Neves foi apanhado numa blitz no Rio, de madrugada. Sua carteira estava vencida. E os policiais estavam aplicando o bafômetro nos motoristas interceptados.

A assessoria do senador explicou, primeiro, que ele não sabia que a carteira estava vencida.
Ah!, então está tudo bem.
Se ele soubesse que a carteira estava vencida, aí sim, seria grave.


Portanto, se a polícia lhe apanhar com a carteira de outra pessoa, você pode alegar: puxa, seu guarda, não sabia que não era a minha.

Carteira de motorista vale por cinco anos, de modo que é até normal uma pessoa menos organizada não perceber que está vencida.
Mas um senador da República tem que fazer tudo direitinho, não é mesmo? E, apanhado no erro, dizer que não sabia só piora a situação.


E por que não fez o teste do bafômetro?
Não foi necessário, explica sua assessoria, porque o senador contratou um motorista para dirigir o carro a partir daquele momento.


Tudo considerado, e se Maria Alice, ela mesma, a chefe da PRF, apanhá-lo em excesso de velocidade, você explica:

1) não sabia qual era o limite de velocidade;
2) não é mais necessário multar porque você voltou a rodar abaixo do limite;
3) o carro é da família;
4) todo mundo desrespeita a regra, inclusive a senhora sabe quem.

E, se ela insistir na multa, sinta-se ofendido, arranque o talonário e a processe por bullying.
Se ainda assim for multado, peça aos senadores Sarney e Requião um projeto de lei de anistia para reparar essa injustiça.

Não tinha nada de mais.

Carlos Alberto Sardenberg O Globo