"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 18, 2011

DILMA PISCOU PARA A INFLAÇÃO.

Dilma Rousseff caiu na lábia de Guido Mantega.
Assim como o ministro da Fazenda, ela diz acreditar que o problema da inflação no país está relacionado a fatores mundiais, mais especificamente à alta dos preços dos alimentos no mercado internacional.
Vê fumaça, mas não sabe onde está o incêndio.


Dilma abriu as portas do gabinete presidencial ao Valor Econômico para dizer ao mundo econômico que está atenta à escalada de preços.
Para usar um dos vocábulos de preferência dela, não "tergiversa" com o assunto.
Manifestou sua profissão de fé de que inflação e crescimento econômico não colidem. A entrevista foi publicada na edição de ontem do jornal.


"O que não é possível é falar que o Brasil está crescendo além da sua capacidade e que, portanto, tem um crescimento pressionando a inflação. O mundo inteiro, na área dos emergentes, está passando por isso. Houve um processo de pressão inflacionária que tem componente ligado às commodities e, no Brasil, tem o fator inercial", defendeu ela.

A presidente da República está chancelando uma visão equivocada da realidade. Desde o ano passado, a equipe econômica - dela e de Lula - tem defendido a tese de que a inflação é passageira, porque resultante de elevações temporárias nos preços das commodities agrícolas. Neste meio tempo, os preços só subiram:
quem mais acerta no mercado já vê a alta acima de 6% neste ano, mostra o mais recente
Boletim Focus.

Basta ter olhos para ver que a disparada dos preços não tem se concentrado apenas nos alimentos ou em aumentos sazonais, como os reajustes de mensalidades escolares e passagens de ônibus. Na realidade, dissemina-se por dois terços dos produtos da cesta usada pelos institutos de pesquisa para calcular o custo de vida.

No caso dos serviços, a escalada é evidente.
Em média, estes preços exibem alta de mais ou menos 11% nos últimos doze meses. Trata-se de setor que não tem nada a ver com mercados além-fronteiras ou em pregões em que se negociam commodities mundo afora.
Com seus reajustes, os prestadores - a manicure, o encanador, o dentista - simplesmente reagem à maior procura por seus serviços.


Tudo indica que há excesso de demanda, sim, na economia brasileira, principalmente em razão do aumento dos salários, que continuam expressivos. Ontem, o Dieese divulgou que em 89% dos acordos salariais feitos em 2010 os trabalhadores obtiveram aumento acima da inflação do período. É a maior proporção da série histórica iniciada em 1996.

Custa acreditar em inflação sob controle quando crédito, salários e consumo crescem em ritmo muito acima do PIB. Nem o guardião da moeda comunga da visão de Dilma. Ontem, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, afirmou que ainda existem elementos na economia brasileira "que apontam para um descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e da demanda", segundo o Valor.

Alguns exemplos de fatores que colaboram para este descompasso são a forte criação de empregos formais no primeiro bimestre e a surpreendente alta do Índice de Atividade Econômica do BC - que subiu 0,7% em janeiro sobre dezembro. Com o mercado de trabalho crescendo, mantém-se elevada a confiança do consumidor e a demanda não arrefece, como é preciso neste momento.

O que se vê é que a economia continua em ebulição, em temperatura muito além do que a própria presidente da República considerou prudente, conforme manifestou quando saíram os resultados do PIB de 2010. O BC já aumentou os juros, baixou suas medidas de restrição ao crédito, mas o corte nos gastos públicos até agora não passou de uma carta de intenções.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, foi direto ao ponto, em declaração publicada na edição de hoje de O Globo:
"Não há esforço real em trazer a inflação para 4,5% e pela primeira vez essa leniência parece ser integralmente aceita por todo o governo. O governo está sendo leniente. Não é culpa de uma ou outra parte. Mas no fundo a responsável final por isso é a presidente".


O que tem ocorrido é que, por mais que o governo diga que age, os prognósticos para a inflação só pioram.
Se Dilma considerou que ela própria tinha que vir a público defender a austeridade, é porque percebeu que seu governo vem perdendo a batalha das expectativas junto aos formadores de preço.
Com a entrevista dela ao Valor, os humores na economia deverão ficar ainda mais azedos.
E aí o fogo já terá se alastrado.


Fonte: ITV

O FUTURO A DEUS PERTENCE II : INSTRUMENTOS ADULTERADOS(NÚMEROS DO "GOVERNO").

Imagine um pequeno avião cujos instrumentos foram adulterados. O altímetro mostra altitude bem maior do que a verdadeira e o indicador de combustível subestima em muito o consumo efetivo.

Depois de anos de desleixo e uso inadequado, o avião já não funciona como deveria. Precisa de manutenção cara e prolongada.


Mas o piloto vem tentando esconder os problemas dos proprietários. Adulterou os instrumentos, temendo que, pelo painel de controle, os proprietários notassem a real extensão dos problemas.


Um voo nessas condições já seria bastante arriscado, mesmo se o piloto, ao ler cada instrumento, fosse capaz de levar em conta a medida exata em que a informação foi adulterada.

Muito mais arriscado ficará o voo, contudo, se o piloto se esquecer das adulterações e passar a acreditar piamente no que mostram os instrumentos.


Não obstante todas as ponderações em contrário, o governo confirmou que o Tesouro fará novo aporte de R$55 bilhões ao BNDES em 2011, na contramão do corte de gastos que havia sido anunciado. É bem sabido que nos últimos anos os indicadores de desempenho fiscal deixaram de indicar o que deveriam.

As deturpações por que vêm passando decorrem, em grande medida, da tentativa de dissimular o impacto sobre as contas públicas das gigantescas transferências do Tesouro ao BNDES:

mais de R$230 bilhões, entre 2008 e 2010.

Tivessem tais transferências configurado operações tradicionais de capitalização, com aumento do capital próprio do banco, teriam tido impacto adverso sobre as contas públicas, com redução do resultado primário e aumento da dívida líquida do governo.

Para dissimular tais efeitos, o governo apelou para o subterfúgio da capitalização velada. Em vez de reforçar o capital próprio do banco, o Tesouro agraciou-o com empréstimos de longuíssimo prazo a juros subsidiados, com recursos advindos da emissão de dívida pública.


Isso só apareceu nas estatísticas de dívida bruta. Nas de dívida líquida, o governo se permitiu neutralizar o impacto, abatendo como ativos os próprios empréstimos concedidos. No resultado primário, as transferências simplesmente não foram registradas. Uma omissão colossal, que até o FMI se viu obrigado a assinalar.

Se as transferências ao BNDES não tivessem sido omitidas, como teriam ficado as contas de resultado primário? As variações dos créditos do Tesouro junto ao BNDES mostram que tais transferências foram de R$28,8 bilhões em 2008, R$93,8 bilhões, em 2009 e R$107,5 bilhões, em 2010. Em porcentagem do PIB: 0,95%, 2,94% e, novamente, 2,94%.

De acordo com as contas oficiais (que omitem as transferências ao BNDES), o superávit primário do setor público, também em porcentagem do PIB, foi de 3,31% em 2007, 3,42% em 2008, 2,03% em 2009 e 2,79% em 2010.

Se, desses percentuais, forem abatidas, nos três últimos anos, as transferências ao BNDES mencionadas acima, a série de resultado primário do setor público passa a mostrar evolução bastante distinta: superávit de 2,47% em 2008, déficit de 0,91% em 2009 e novo déficit de 0,15% em 2010.


A leitura correta dos instrumentos permite agora percepção muito mais nítida dos impulsos fiscais observados nos últimos anos. Quem ainda estava à cata de uma boa explicação para a brutal expansão de 10,3% na demanda interna em 2010, pode interromper a busca.

É dessa perspectiva que se deve indagar se faz sentido novo aporte ao BNDES de R$55 bilhões - mais de 1,3% do PIB - em 2011. Mesmo que o governo consiga cumprir a meta oficial de superávit primário para este ano, de 2,9% do PIB, o superávit efetivo, tendo em conta o novo aporte, não passará de 1,6% do PIB.

Ou seja, menos da metade do superávit observado antes da crise, em 2007. Não há nada que justifique tal impulso fiscal a esta altura, quando, pelo contrário, se esperava que a política fiscal fosse capaz de reduzir a sobrecarga que tem recaído sobre a política monetária no combate à inflação.

Até quando a condução da política macroeconômica continuará a ser feita com base em indicadores fiscais tão deturpados?
Rogério Furquim Werneck O Globo