"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 14, 2010

A HIPOCRISIA DE UMA CORJA TORPE.

Dilma Rousseff tem o direito de acreditar ou não em Deus, em Nossa Senhora, em um santo ou em todos, em Lula, no PT ou nas aparições regulares de ETs em Varginha. Pode frequentar igrejas ou não fazer ideia do que é uma missa.

Está liberada para decorar a Bíblia ou não conseguir recitar a Ave Maria.

E deve sentir-se à vontade tanto para defender quanto para criticar a legalização do aborto.

Mas não tem o direito de mentir, sejam quais forem as condições de temperatura e pressão da campanha presidencial.

Lula pode advogar em defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou lutar para que jamais seja instituído.

Tem o direito de endossar integralmente o Programa Nacional de Direitos Humanos ou opor-se a alguns tópicos.

Mas não pode endossar ou repelir simultaneamente a mesma coisa. Ou acha isto ou acha aquilo.

Estejam como estiverem as curvas das pesquisas eleitorais, um presidente da República tem o dever de expressar claramente o que pensa.

O vídeo divulgado pelo blog do Josias de Souza reafirma que, para eleger a sucessora, Lula está enganando o país.

Nem Dilma nem Lula têm o direito de contar mentiras para ganhar a eleição.

Claro que ambos apoiam sem restrições todas as propostas do PNDH. Claro que Dilma não sabe da missa nem o começo, que Lula aceita com naturalidade a união homossexual.

Não há nada de errado nisso.

Se fossem sinceros, estariam apenas exercendo a liberdade de crença e de opinião que a Constituição garante.

Em vez disso, resolveram tratar todos os brasileiros como um bando de idiotas.

Logo descobrirão que a maioria não é.

OS FALSÁRIOS

Carlos Augusto Montenegro, o presidente do Ibope, profetizou há muitos meses uma vitória folgada de José Serra no primeiro turno.

A campanha não havia começado e o Ibope não tinha pesquisas relevantes.

O Oráculo falou para bajular aquele que, presumia sua sabedoria política, seria o próximo presidente.

Mais tarde, durante a campanha, de posse de inúmeras pesquisas, o Oráculo asseverou com a mesma convicção que Dilma Rousseff venceria no primeiro turno.

A bajulação aos poderosos de turno obedece a uma lógica inflexível.

Na mesma entrevista, ele sugeriu que a oposição atentava contra a democracia ao repercutir os escândalos no governo. Cada um fala o que quer, nos limites da lei, mas o Oráculo de araque não se limita a isso: ele vende um produto falsificado.

Pesquisas de opinião declaram uma margem de erro e um intervalo de confiança. A margem de erro expressa a variação admissível em relação aos resultados divulgados.

O intervalo de confiança expressa a confiabilidade da pesquisa - ou seja, a probabilidade de que ela fique dentro da margem de erro.

Na noite de 3 de outubro, o Ibope divulgou as pesquisas de boca de urna para a eleição nacional e para 16 Estados, registradas com margem de erro de 2% e intervalo de confiança de 99%.

Das 17 pesquisas, 12 ficaram fora da margem de erro.

O intervalo de confiança real é inferior a 30%.

Um cenário similar, catastrófico, emerge das pesquisas para o Senado. Há tanta diferença assim entre isso e vender automóveis com defeitos nos freios?

O Ibope não está só. Datafolha, Sensus e Vox Populi não fizeram pesquisas de boca de urna, mas suas pesquisas imediatamente anteriores também não resistem ao cotejo com as apurações.

Todos os grandes institutos brasileiros cometem um mesmo erro metodológico, bem conhecido pelos especialistas.

Eles usam o sistema de amostragem por cotas, que tenta produzir uma miniatura do universo pesquisado.

A amostra é montada com base em variáveis como sexo, idade, escolaridade e renda. Isso significa que a escolha dos indivíduos da amostra não é aleatória, oscilando ao sabor de variáveis arbitrárias e contrariando os princípios teóricos da amostragem estatística.

O Gallup aprendeu a lição depois de errar na previsão de triunfo de Thomas Dewey nas eleições americanas de 1948.

Venceu Harry Truman e o instituto mudou sua metodologia, adotando um plano de amostragem probabilística, que gera amostras aleatórias.

Quase meio século depois, os institutos britânicos finalmente renunciaram à amostragem por cotas. O copo entornou em 1992, quando as pesquisas baseadas na metodologia furada previram a vitória trabalhista, mas triunfou o conservador John Major.

Na sequência, uma equipe de especialistas identificou o problema e apresentou a solução.

Os institutos brasileiros conhecem toda essa história. Não mudam porque a metodologia atual é mais prática e barata.

Vendem gato por lebre.

A amostragem por cotas não permite calcular a margem de erro. Os institutos "resolvem" a dificuldade chutando uma margem de erro, que exibem como fruto de cálculo rigoroso.

Como as eleições brasileiras costumam ter nítidos favoritos, eles iludem deliberadamente a opinião pública, cantando acertos onde existem, sobretudo, equívocos.

(...)

Nem todos os institutos são iguais.

O Datafolha conserva notável isenção partidária, embora também utilize o indefensável sistema de amostragem por cotas.

O Oráculo do Ibope anda ao redor dos poderosos, sem discriminar partidos ou candidatos, farejando oportunidades em todos os lados.

Marcos Coimbra, seu congênere do Vox Populi, pratica uma subserviência mais intensa, porém serve apenas a um senhor.

Durante toda a campanha, o Militante assinou panfletos políticos governistas fantasiados como análises técnicas de tendências eleitorais.

Dia após dia, sem descanso, sugeriu a inevitabilidade do triunfo da candidata palaciana no primeiro turno.

Sua pesquisa da véspera do primeiro turno, publicada com fanfarra por uma legião de blogueiros chapa-branca, cravou 53,4% dos votos válidos para Dilma Rousseff.

Errou em 6,5 pontos porcentuais, quase três vezes a margem de erro proclamada, de 2,2%.

Pesquisas, obviamente, não decidem eleições.

Mas elas têm um impacto que não é desprezível.

Sob a influência dos humores cambiantes do eleitorado, supostamente captados com precisão decimal pelas pesquisas, consolidam-se ou se dissolvem alianças estaduais, aumentam ou diminuem as doações de campanha, emergem ou desaparecem argumentos utilizados na propaganda eleitoral, modifica-se a percepção pública sobre os candidatos.

Os institutos comercializam um produto rotulado como informação.

Se fosse leite, intoxicaria os consumidores. Sendo o que é, envenena a democracia.

Beto Richa, o governador eleito em primeiro turno no Paraná, obteve da Justiça Eleitoral a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais que não o favoreciam.

A censura é intolerável, principalmente quando solicitada por alguém que se comprazia em dar publicidade a pesquisas anteriores, nas quais figurava à frente.

Ele poderia ter usado o horário eleitoral para expor a incúria metodológica dos institutos e o lamentável papel desempenhado por alguns de seus responsáveis, como o Oráculo e o Militante.

A opinião pública, ludibriada a cada eleição, encontra-se no limiar da saturação.

Mais um pouco, aplaudirá o gesto oportunista de Richa e clamará pela censura. Que tal os institutos agirem antes disso, mesmo se tão depois do Gallup?

Ah, por sinal, qual é mesmo a taxa de aprovação do governo Lula?

Demétrio Magnoli - O Estado de S.Paulo

SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@TERRA.COM.BR

TRANSAÇÕES CORRENTES E DÍVIDA EXTERNA BRUTA

Na reunião do Fundo Monetário Internacional o ministro Guido Mantega, que minimizava o problema do déficit das transações correntes do balanço de pagamentos, não escondeu suas preocupações diante das perspectivas do seu aumento nos próximos anos.

E diversos fatores contribuem para esse déficit:

a queda das exportações brasileiras para os países industrializados e o aumento das importações de países com moeda desvalorizada;

a taxa cambial do Brasil, fruto de um excesso de liquidez nos países industrializados, que dela se aproveitam; e uma taxa de juros muito alta no País, que estimula operações de arbitragem.

Nesse quadro, as empresas brasileiras e o Tesouro conseguem captar recursos no exterior com grande facilidade, aproveitando-se de que, com taxas de juros locais muito próximas de zero, os investidores estrangeiros estão aptos a oferecer créditos a uma taxa que seja razoável em relação às nossa taxas internas.

Assim, entramos na situação paradoxal de um déficit em transações correntes - que está aumentando - e de um crescimento da dívida externa bruta na mesma proporção, já superando as nossas reservas internacionais, constituídas a um preço muito elevado, que o Banco Central (BC) procurou consolidar para enfrentar eventuais dificuldades na conta externa.

Essa política, no entanto, aumenta o déficit público, o que nos obriga a captar recursos tanto no mercado interno quanto no externo, favorecendo um aumento das taxas de juros.

Na visão do BC, os países industrializados estarão em situação econômica difícil por um longo período, o que tão cedo não nos permitirá aumentar nossas exportações para eles.

Ao contrário, verifica-se naqueles países um retorno ao protecionismo no setor agroindustrial.

A China não mostra nenhuma vontade de favorecer uma valorização da sua moeda e outros países estão entrando nesta guerra cambial, como o Japão.

Isso significa que as importações continuarão crescendo, causando um processo de desindustrialização em nosso país.

O governo tomou medida para conter os fluxos de capitais estrangeiros aumentando o IOF, por enquanto com pouco efeito.
O resultado benéfico mais amplo seria a redução da nossa taxa de juros.

Dificilmente escaparemos da necessidade de medidas protecionistas para conter a invasão de produtos chineses.

E será necessário reduzir a contratação de dívidas no mercado externo para evitar um crescimento excessivo dos juros a pagar, diante da perspectiva de não mais conseguirmos esses empréstimos, por causa do nosso déficit externo.

O Estado de S.Paulo

ENVELHECIMENTO E APOSENTADORIA COMPULSÓRIA.

O envelhecimento da população brasileira deve levar o País a aumentar a idade mínima para a aposentadoria e acabar com a aposentadoria compulsória, defendeu nesta quarta-feira,13, a coordenadora de População e Cidadania do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Ana Amélia Camarano.

"É importante acabar com a aposentadoria compulsória. Ela é fruto de preconceito", disse durante a divulgação do Comunicado do Ipea nº 64 - PNAD 2009: Primeiras Análises - Tendências Demográficas, no Rio.

Ana Amélia afirmou que o envelhecimento da população vai requerer outras medidas, como uma revisão da idade mínima para aposentadoria.

"Estamos vendo isso na França, que está praticamente parada, e também é uma tendência para o Brasil", disse.

Segundo ela, esse tipo de medida é positiva para a Previdência e também para os idosos, que se beneficiariam da maior permanência no mercado de trabalho.

"Isso é importante do ponto de vista da questão previdenciária e fiscal e do ponto de vista do indivíduo. Principalmente para o homem, a saída do mercado de trabalho significa uma importante desintegração social. Com isso, aumentam os índices de alcoolismo, de depressão e até de suicídios", comenta.

O comunicado do Ipea projeta que a população brasileira deve parar de crescer por volta de 2030, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A tendência, diz o documento, é resultado da combinação da queda da mortalidade com a redução da fecundidade.

O estudo mostra que a população idosa (com 60 anos ou mais), que respondia por 7,9% da população brasileira em 1992, passou a responder por 11,4% em 2009.

"É importante que as pessoas vejam o trabalho do idoso com menos preconceito, até porque senão não haverá gente para trabalhar no futuro", disse Ana Amélia.

Ela afirmou que o País tem avançado na redução da pobreza entre os idosos e apontou como uma das causas o fato de o piso da aposentadoria ser o salário mínimo.

"É importante que essa redução acentuada da pobreza entre os idosos se mantenha. Uma das razões é que o piso do benefício é o salário mínimo. Então é importante que não haja desvinculação", defende.

Glauber Gonçalves, da Agência Estado