"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 02, 2010

VAMOS RESTAURAR O BRASIL, O RESPEITO ÀS QUESTÕES POLÍTICAS, O HOMEM DE ESTADO, DEBATE PÚBLICO. CHEGA DE PORRES. UM NÃO À CONTINUIDADE

Montagem sobre fotos de Lula Marques
O debate público nunca esteve tão pobre no Brasil. Um dos candidatos até já se pronunciou sobre o assunto, dizendo que não é iogurte.

Só que mesmo o Serra está sem estratégia de argumentação política e paralisado diante do impasse de ser ou não oposição a Lula.
Dilma então nem se fala.
Não dá mostra de discernir uma coisa da outra e se deixa levar pelas mãos dos marqueteiros.

Acaba acreditando que o papel da Presidência é ser mãe caridosa para cuidar dos brasileiros desafortunados ou tocar obras pelo PAC afora.

Marina, que poderia fazer a diferença repudiando a eleição plebiscitária que a arrogância dos políticos nos enfiou goela abaixo, tem currículo e argumento, mas não tem paixão, atributo essencial em política.

Tratados como marcas, todos acabam nivelados por baixo pelos marqueteiros de plantão. Todos jogando para a mídia como se estivessem num palco de programa de auditório do tipo "Vai pro trono ou não vai?"

Todos "produzidos", como se o cidadão eleitor fosse imbecil e não soubesse avaliar as diferentes naturezas da burla teatral para a realidade da luta política. Todos posam para câmaras como se fossem atores.

Todos apostam na demagogia das falsas promessas, na ausência de educação política e de discernimento crítico dos cidadãos brasileiros. Jogam com o déficit de cidadania política, enfim, habilmente estimulado e acumulado nas últimas décadas pelos demagogos usurpadores do poder que alijaram da vida política os melhores representantes de nossas elites.

Não há mais estadistas na vida política brasileira. Só negocistas, lobistas, delinquentes, trânsfugas da Justiça, mistificadores, vendilhões de templos e outros da mesma laia.

Os que não querem a reforma política pois estão ganhando com a miséria da representação política desqualificada.
Com as exceções de sempre que não chegam a um quarto de homens de bem nos legislativos e executivos federais e estaduais.

Temos de assumir que fomos nós os cidadãos mais conscientes que criamos ou nos omitimos do processo de mitificação quase religiosa que resultou na inexpugnabilidade eleitoral de Lula.

Se Serra quer dizer que o país pode mais, diga diretamente para o cidadão que ele Serra pode fazer mais a partir de Lula e nunca contra Lula.

Pois Lula é resultado e deu continuidade às políticas públicas implantadas por FHC, senão mesmo antes. E, por isso mesmo, porque a maioria aprovou e quer mais, elas devem continuar. Pois há 20 anos são políticas de estado e não de governos.
E o Brasil merece o melhor gestor para melhorar ainda mais os programas até aqui implantados. Se Lula é mito, não se luta contra um mito político.

Ganhará esta eleição quem provar que é o melhor gestor para os programas de Lula, que devem ser mais bem entendidos como programas de estado do que de governos.

Jorge Maranhão O Globo

UM POUCO DE MEMÓRIA SOBRE A HISTÓRIA E DIFERENÇAS DO GOVERNO SUSTENTADO POR HIPOCRISIAS DO ÉBRIO E SUA "COISA" COM O DO FHC.

Há tempos Lula - e, neste período eleitoral, também sua fideicomissária Dilma - realça, com impressionante desfaçatez, estatísticas econômico-sociais comparativas de períodos presidenciais distintos - o de Fernando Henrique Cardoso e o dele -, atribuindo as mais favoráveis ao governo atual e às virtudes pessoais de seu presidente.

Honesto seria enfatizar que a maior parte dos acontecimentos econômicos não decorre de vontades presidenciais e que os dois enfrentaram circunstâncias radicalmente diferentes.

Elas se evidenciam nas condições internas que cada um encontrou no início do seu governo. E, principalmente, nas da economia mundial nos respectivos mandatos.

FHC, cujo trabalho começou no governo Itamar Franco, encontrou a economia fragilizada por uma década e meia de fraco crescimento, uma inflação indomada por sucessivos e fracassados planos de "estabilização", uma dívida externa agravada pelas crises mundiais de 1973 e 1979 e, depois, pelas de 1995, 1997 e 1998, quase sempre em renegociação, e contas públicas desajustadas.

Estas não apenas na sua capacidade de gerar impostos, como na dificuldade de sustentar uma dívida pública de prazos e custos condizentes com uma boa gestão financeira.

A inflação vinha tanto das desvalorizações cambiais ligadas às dificuldades externas como dessa desordem nas contas públicas.

Exceto pelas contas externas, que não se resolveram porque a economia mundial não oferecia então espaço para ampliar fortemente nossas exportações, e para trazer investimentos capazes de junto com elas fortalecer o fluxo de recursos externos e o estoque de reservas, FHC deixou a casa muitíssimo mais em ordem do que a encontrou.

Em particular, domou a inflação, reestruturou as contas públicas, e deu início à política de valorização do salário mínimo.

Lula entrou queixando-se de herança maldita, mas foi tão bendita que logo a adotou, como na política monetária que passou a Henrique Meirelles, deputado federal eleito em 2002 pelo PSDB de Goiás e logo recrutado para o Banco Central.

Manteve também o câmbio flutuante e a ênfase no superávit fiscal primário, hoje enganoso, como mostrei no meu último artigo (19/8).

Sob a liderança de dona Ruth Cardoso, avançou também com programas sociais que sob Lula, com muito mais recursos dados pelas circunstâncias que o beneficiaram, foram consolidados no Bolsa-Família.

FHC ousou também ao contrariar interesses corporativos, como em mudanças na Previdência Social e no programa de privatizações.

Lula entrou queixando-se de herança maldita, mas foi tão bendita que logo a adotou, como na política monetária que passou a Henrique Meirelles, deputado federal eleito em 2002 pelo PSDB de Goiás e logo recrutado para o Banco Central.

Manteve também o câmbio flutuante e a ênfase no superávit fiscal primário, hoje enganoso, como mostrei no meu último artigo (19/8).

(...)

Poderia passar agora a aspectos filosóficos do papel do homem e das circunstâncias na vida dos dois presidentes, recorrendo, por exemplo, ao pensador Ortega y Gasset.

Mas optei por uma comparação inspirada pela Festa do Peão de Barretos, encerrada recentemente.

Nela e noutras do ramo fica clara a relação entre o peão e as circunstâncias, em particular no desafio maior, o do touro, montado sem arreio e escorregadio por natureza.

O desempenho do peão é avaliado relativamente ao do touro: se este não salta dentro dos padrões esperados, o peão não recebe pontuação.

Tem novas chances até que venha um touro dos "bons". O melhor até hoje foi um de nome Bandido, que virou até artista de novela.

Por força das circunstâncias, Lula até aqui não foi provado como bom peão, pois quase que só montou touros mansos, com revelada preferência por cavalos de parada e desfiles por aí.

Só enfrentou um ano de crise externa, e aí caiu do bicho, recebendo nota zero de PIB, ao contrário do ocorrido em países como a China e a Índia, que superaram a crise sem maiores pinotes, sustentados por altas taxas de investimento.

Já FHC domou quase um Bandido, o ferocíssimo touro Inflação, pai e filho de muitos outros males. E FHC cumpriu também seu tempo em cima do da Previdência, do Ajuste Fiscal e de muitos outros ferozes.

Quanto ao touro Cambial, nenhum dos dois se saiu bem, e ele segue por aí a dar cabeçadas na indústria e no turismo do País.

Comparar homens junto com suas circunstâncias parece não passar pelo crivo de marqueteiros e outros estrategistas políticos.

Mas, certamente, essa comparação ocupará lugar na História, pois serão muitos a narrá-la sem os vieses dos que hoje difundem e absorvem a visão dominante, a de dois peões avaliados sem levar em conta a braveza de seus touros nos rodeios da vida.

Roberto Macedo - O Estado de S.Paulo
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO